Posicionamento sobre uso de chás e suplementos para o tratamento da obesidade

Diante dos lamentáveis casos de complicações graves e óbitos relacionados com uso de produtos direcionados para perda de peso divulgados e vendidos livremente na internet e nas redes sociais, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) torna público este posicionamento conjunto.

A obesidade é uma doença crônica, complexa, multifatorial, recidivante e progressiva, com prevalência elevada e crescente no mundo e no Brasil1,2. Mesmo que os números mostrem per se a dificuldade de prevenir e controlar a obesidade, as pessoas com excesso de peso ainda continuam sendo responsabilizadas pela sua condição. A despeito do conhecimento sobre obesidade ter evoluído consideravelmente nos últimos anos, infelizmente muitos conceitos errados e percepções distorcidas ainda são comuns na sociedade e mesmo entre profissionais da saúde, fomentando o preconceito contra o paciente, a doença e o próprio tratamento da obesidade. O caminho para a redução do preconceito e a melhora no cuidado das pessoas com obesidade é a informação.

O estigma com a obesidade tende a estimular a busca por tratamentos heterodoxos, como chás e suplementos, vendidos com um apelo de serem “produtos naturais”. Muitos são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), são desprovidos de estudos de eficácia e segurança, podendo ter efeitos colaterais graves, e inclusive levar a morte, como os casos amplamente divulgados nas últimas semanas pela mídia3.

A pesquisa “Obesidade e a Gordofobia 2022 - Percepções” realizada pela ABESO e pela SBEM, que contou com a participação de 3.621 pessoas com IMC médio de 36,9 kg/m2 (75,4% com diagnóstico nutricional de obesidade, 89% mulheres), identificou que 85,3% dos participantes relataram ter sofrido constrangimento por causa do seu peso, que foi mais intenso quanto maior o grau de obesidade4.

A pesquisa também mostrou que 93,6% dos participantes já tentaram perder peso, sendo 55,7% no setor privado, 31,3% por conta própria e apenas 12,9% no Sistema Único de Saúde. Dentre os participantes que tentaram perder peso por conta própria, a maioria tentou através de dieta e exercício físico (63,2%), mas 18,7% fizeram uso de abordagens heterodoxas, como chás, produtos vendidos na internet, fitoterápicos e medicamentos sem prescrição médica, um dado muito preocupante e de forte impacto negativo sobre a saúde pública4.

Há 25 anos, frente ao abuso na prescrição de múltiplas associações medicamentosas para tratamento da obesidade no Brasil, o Conselho Federal de Medicina emitiu a Resolução nº 1.477 de julho de 1997 disciplinando o exercício da profissão médica quanto à prescrição4. Mesmo assim, o uso de “fórmulas emagrecedoras” seja por conta própria, ou ainda pior, através de prescrição médica, ainda é muito comum, e este posicionamento da ABESO e da SBEM alerta para que essa prática seja melhor fiscalizada e proibida para garantir a segurança da população.

No Brasil, existem quatro medicamentos aprovados para o tratamento da obesidade pela ANVISA, todos avaliados em estudos clínicos multicêntricos internacionais realizados de acordo com protocolos científicos rígidos: sibutramina, orlistate, liraglutida e combinação de naltrexona e bupropiona, esta última ainda não comercializada em nosso meio. Esses medicamentos devem ser utilizados somente com seguimento médico e prescritos sempre associados a orientações de mudanças de estilo de vida5.

Diante da complexidade e da prevalência da doença, temos ainda um arsenal medicamentoso restrito, sendo fundamental seu uso ético, judicioso e baseado nas melhores evidências clínicas. Diante do exposto, a ABESO e a SBEM alertam que, atualmente, não há qualquer evidência científica que justifique o uso de chás e/ou suplementos no tratamento da obesidade, devendo essa abordagem ser abandonada.